Elias acordou deslumbrado naquela manhã de sábado. Ainda
não tinha caído a ficha e só agora, naquele despertar exatamente às seis da matina –costume de vinte anos- ele
se deu conta que estava rico.Rico era pouco,milionário.Elias era um dos ganhadores
da mega-sena que vinha perseguindo com os mesmos números há exatos dez anos.O
prêmio foi dividido entre dois,mas,que prêmio!
Nunca mais ficaria pobre, nem pegaria o metrô,nem pagaria
contas atrasadas ou economizaria no
mercado.Adeus domingos chatos em casa assistindo o Faustão ou,no início do mês
ou na quinzena,um joguinho de futebol na Fonte Nova.
Já sonhava com uma mansão de muitos quartos e enorme piscina ,cuja
competente corretora D. Marina
estava providenciando.Os carros,dele e da mulher, D. Regina,ex-funcionária
pública de terceiro escalão já estavam comprados.Para ela,um Mercedes e para
ele,cujo espírito de aventura estava apenas adormecido,um land -rover,engolidor de estradas.
Não tinham filhos.
Mudaram-se logo para a nova casa,chamaram um decorador vira
– mão para torná-la bastante requintada,mas, a esposa,que sempre fez todo o
serviço doméstico,contratou alguns serviçais,tais como
copeira,arrumadeira,cozinheira,passadeira e motorista;o dela,fardado e de
bonezinho para humilhar a ex-chefe que sempre a perseguiu.
Cedo, D. Regina descobriu que lidar com essa equipe era
pior que governar um país; e,cansou-se.Queria contratar uma governanta.
Posto
anúncio,apareceram as candidatas.D. Regina não fazia por menos;a moça
tinha que ter boa saúde e boa aparência,ser
gestora e honesta,ter excelente trato e educação,além de ter iniciativa
e autoridade.Em suma,tudo que deveria se exigir de um ministro – chefe da Casa
Civil de um país.Em troca teria um alto salário,um apartamento mobiliado na mansão com TV digital e aparelho
de som exclusivo.
Muitas foram recusadas até que apareceu a loura.Tinha todos os requisitos menos a
formatura.
-Sou formada pela escola da vida ,minha senhora,em
Lisboa,onde passei três anos,era a acompanhante da mãe de um conhecido
banqueiro e só sai de lá devido às saudades do meu país.
D. Regina empregou-a.
Contente, informou ao marido que agora levantava às dez horas,difícil deixar aqueles
autênticos lençóis egípcios e os oito
travesseiros de pena de ganso;ainda mais,hoje,depois de uma noitada de rei numa
“casa” onde menininhas más de famílias boas,reverenciavam fregueses abonados.
A acompanhante daquela noite onde “afogara” o ganso e se afogara nos
prazeres,era demais. Dançou com ela, um tango argentino,”La Cumparsita”. Não
era muito bonita,mas,que competência na
cama!E que competência também para empurrar bebidas caras aos clientes fazendo
a conta subir vários dígitos em poucos minutos.
Elias nem sabe como chegou em casa,mas,o fato é que chegou
quase inteiro,tanto que agora estava sendo acordado pela esposa,que puxou as
cortinas e abriu o janelão fazendo com que a luz do sol ferisse bravamente seus
olhos.
-Anda, preguiça;a governanta acha que acordar as dez prejudica o almoço.Toma-se o breakfast
e fica-se sem apetite.
Resignado, levantou-se,caiu no chuveiro e foi até a piscina
tomar café.Então,apareceu a governanta.Correta no seu uniforme preto com gola e
punhos de renda,cabelos presos em coque ,um riso no rosto.
Ele estremeceu; ela era muito parecida com a cocotte da
véspera.Não podia ser.Seria muito azar para o sortudo que abiscoitou a mega – sena.
Ela o cumprimentou formalmente e ao se certificar de que estavam
bem
servidos,retirou-se.
Cantarolando “La Cumparsita”.
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