“Apesar de tudo avisei sobre alguma coisa , antecipadamente...”
Palavras de Dostoievski , no prefácio do
livro “Os Irmãos Karamazovi”, mas, que poderia ser dito por esse rapaz
que cometeu os crimes.
Demorei uns dias, propositalmente, para falar do massacre
de Realengo.
Preferi deixar “secar o barro” como na lenda oriental que
comparava a raiva ao barro.
Se a gente pisar com ele ainda molhado,corre o risco de
atolar-se até o pescoço; é preciso deixá-lo secar para pisá-lo com segurança.
Assim é a raiva. Se a gente
deixá-la passar poderá enxergar as coisas com o distanciamento necessário ao
bom julgamento.
Essa tragédia não anunciada
que chocou o país não nos pegou desprevenidos. Havia indícios, se alguém
tivesse observado o comportamento do agressor.
Mas, infelizmente era um dos
muitos invisíveis que circulam ao deus – dará e ninguém se ocuparia com ele. Nem
a parca família que lhe sobrou, nem os vizinhos, nem os raros amigos, caso os
tivesse.
Extremamente frágil diante
de uma sociedade hostil, refugiava-se no computador e foi bebendo e armazenando
dentro de si, todo o ódio do mundo. Que, finalmente, extravasou naquele dia
fatídico contra crianças inocentes.
Em nenhum momento estou aqui
para defendê-lo; mas, como escritora que
tem o dever de estudar a natureza humana e vasculhar a lixeira da sociedade tão
logo soube do ocorrido, tratei de procurar os porquês.
Estudei o perfil público do
assassino e a primeira coisa que descobri é que não era um psicopata; pois, estes
não têm sentimentos, matam com técnica e frieza inadmissíveis para nós, ditos
normais, porém, se preservam.
É muito raro um psicopata se
matar. Sua auto-proteção salta-nos logo à vista. Seu ódio não se volta contra
si próprio.
Rapaz marrento, caladão,
tímido, ensimesmado, desprezado pelos colegas e pelas meninas.
O seu modo de ser, de
comportar-se, de vestir não atraía o sexo oposto.
Virgem aos 23 anos numa
sociedade que cultua o sexo, lobo solitário entre jovens “tribais”, sem
recursos nem dotes físicos que o tornassem centro das atenções, o que lhe
restava?
Divertir-se aprendendo a
fazer explosivos e acompanhar atentados suicidas na Internet...
Por ai já se vislumbraria o
tamanho da encrenca.
Depois disto, o que notei
foi a escolha das vítimas. Preferencialmente meninas bonitas. Aquelas que
jamais lhe lançariam um olhar.
Um estudante contou na TV
paga que ao dar de cara com o assassino e atemorizado, este lhe disse:
-“Não tenha medo, gordinho, não
vou te matar.”
Daí nota-se a empatia com o
outro, também marginalizado por um sistema que louva os belos e esbeltos.
Infelizmente, ambos as
crianças e o algoz, são vítimas da mesma sociedade.
O capitalismo selvagem, a
globalização que deixa seres humanos sem perspectiva de vida decente e,
principalmente o cristianismo com seus dogmas medievais baseados no sofrimento
e na idéia de pecado, transformam pessoas em monstros.
Que humanidade é esta que
vivemos que não dá oportunidades iguais para todos, que não só permite como até
incita a exclusão, que legitima atos de invasão a outros países mais fracos
militarmente apenas para roubar seus recursos naturais, mesmo que passem sob
centenas de corpos, que não aceita as diferenças, que cobra, exige, reprime sem
nada dar em troca, será que podemos mesmo encher a boca quando falamos de
humanidade e nos considerarmos seres humanos?
Esse espetáculo do mundo que
se nos apresenta é de arrepiar!
E, pior, vai continuar
produzindo indivíduos como esses, situações como essas a todo momento, pois
quem não tem o que perder é o mais perigoso ser na face da terra.
Convivemos com tudo que é negativo,
conduzidos pelo mal e, nos acostumamos a isso, a tanta violência, com a
banalização da morte, principalmente a morte dos mais fracos, claro. Dos
“feios”!
É-nos indiferente que esteja
morrendo gente no Oriente Médio, na Palestina, nas ruas das nossas cidades, nas
escolas, nos shoppings, pois a consciência do homem está adormecida e estamos acometidos de uma doença mortal
chamada egoísmo.
A dor que senti perto da
hora do almoço quando recebi o telefonema do meu marido pedindo para que eu
ligasse a TV, paralisou-me, deixou-me a apática, inerme, querendo entender o
porquê destes cordeirinhos de deus terem sido assim imolados, sem culpa.
Porque eu sou avó de treze
brasileirinhos, um deles professor de escola público aos 19 anos.
E penetrou-me a dor imensa
daquelas mães, pois, sou uma delas.
Lembrei-me de uma frase de
José Saramago no seu livro “Ensaio sobre a Cegueira”; era uma mocinha de óculos
escuros que falou- “Dentro de nós há uma coisa que não tem nome. É o que
somos!”
E é o mesmo Mestre Saramago
que diz:
-“O homem é cruel sobre tudo
em relação ao próprio homem, porque somos os únicos capazes de torturar e humilhar
e o fazemos com algo que deveria ser contra isso que é a razão humana”.
Texto de Miriam Sales
Muito bem delineado e até dissecado o perfil do jovem,coisa que a Imprensa em geral passou por cima,pois seu intuito é encher horário, afinal os patrocinadores pagam por ele.
ResponderExcluirObrigada pela interação.P/ a imprensa o q/ interessa é vender notícias; e,qto pior,melhor. bjs
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